Tuesday, June 7, 2011

Se fosse poeta, escrever-te-ia. Literalmente, escreveria o teu ser. Porque ler-te é também tocar-te. Como o não sou, beijo-te para que faças de mim poesia.

Sunday, June 5, 2011

Quando a noite escura cai em todos os lugares, e os corpos se fundem na imensidão, é o movimento do tempo... O universo resplandece na nocturna aurora, os amantes viajam unidos em sempres, esvoaçam; sonham para lá do firmamento, oh nas doces obscurecidas asas do momento, em deleite, cantam o cântico da vida, inebriam-se um do outro.
Lançaram-se no infinito e caíram nos abismos de quem percorre mundos com as mãos, com o olhar, dos espaços mais fundos e do mais sem fundo espaço, vento, rebolaram na casa do tempo, fundiram-se lá além, longe, no firmamento, embriagados pelo rubro vinho do amor, pela noite levados, a ritmo lento e forte e desnorte, tornaram-se vento, abraçaram o mundo, de tudo fizeram alumiando, e sendo o que eram, balanço, desejando, caminharam-se, perscrutaram-se, em intrépido movimento, vão para lá do momento, um só elemento nos abismos de quem percorre mundos com as mãos.
Pousamos os pés sobre a areia quente e extensa, o vasto atlântico ante nós, nas suas imensidões frias e geladas. Quentes caminhamos para o mar, tocamos e sentamo-nos na areia molhada, que nos sustenta como os deuses sustentam os sonhos. Nas veredas por entre a luz e a escuridão, onde os universos se fundem, funde-se a areia com o mar, fundo e escuro a que desavesso me entrego, sem avesso, sem inverso, e busco explorando faróis, cometas, perdidos para lá do sempre dos tempos, entre brisas e ventos, lá onde vive o fogo dos sonhos reluzentes, renascimentos.

Saturday, June 4, 2011

Ter-te, tocar-te, num sítio desertos.
Beijar os teus lábios como quem beija o amanhecer.
Mapear o teu corpo como quem mapeia o mundo.
Liberta sempre a mente que há em ti.
Se semeias caos, espera caos. Mas se semeares paz, não esperes paz.
Há tanta coisa tão preciosa que não sabemos qual é a mais preciosa.
Porquê escrever?
Por baixo das vozes do universo, existe vento. Temporais éonicos, ora sussurram, ora gritam, falam, fodem, oram. Um vento sem tempo que circula comandado pelos prazeres e desprazeres do humano. Existem vozes. Em nós, as vozes de todos aqueles com que algum dia nos cruzámos, de tudo o que vimos, de tudo a que a consciência acedeu. Ao vento estamos, levados, pelo vento vamos, dialogamos, perguntamos, se ele viu, se sabe, onde anda a felicidade.

Friday, June 3, 2011

asas
de amar
grandes como o mundo
imensas.

amo
as tuas
asas de amar.
O texto é uma arma poderosíssima. Não só porque se propaga no espaço, tempo e pessoas, mas porque contém uma ideia. E as ideias infiltram-se na nossa mente como vírus. O texto é essa arma, porque veicula significado. A leitura de um texto pode mudar as nossas vidas, levar-nos a tomar escolhas diferentes, parar para pensar, ganhar uma perspectiva diferente sobre um assunto.

Por exemplo, os mass media passam constantemente as mesmas caras e pessoas, o que unifica. Temos medo de estarmos desunificados. O poder do estado e da igreja são esses: unem. E unem com base exclusivamente nesse medo. O medo de que se não existissem figuras unificadoras a sociedade colapsaria.

E a história tem de fazer sentido. Há em todos os tempos figuras de maior relevo, porque faz parte do sentido da história e principalmente do modo como o mundo é, não se prezando à igualdade total. A maioria das pessoas tem até aversão por esta ideia.

E tudo isto anda por baixo das vozes do universo.
E nem mais nem menos do que animais de acção, somo-lo também de reacção. Agimos quando escolhemos livremente fazê-lo, e reagimos quando a nossa escolha é limitada por um estímulo. Talvez nem haja escolha na reacção, embora saibamos que tantas vezes a há.

O humano é um animal de escolhas. Do branco e do preto. É também alguém que se deixa levar pelo fluxo do que o rodeia; nem sempre escolhemos conscientemente. O que não significa que estejamos sempre a escolher. O humano é dos contrários e é do que está no meio. Opiniões, todas as há, como todo o tipo de escolhas no mundo, e uma panóplia de ideias e personalidades.

O mundo é louco por fora e por dentro. Temos medo do que aconteceria se essa loucura pudesse andar aí livremente. Eu próprio tenho. Teria de haver uma grande consciência. Não poderiam existir ódios. Seja como for, o mundo molda-se às poucas vontades de uns. Em última instância à vontade de um. Que pode ou não ser contrariada. Mas quem contraria alguém mais poderoso pode acabar esmagado como um mosquito. E que ideia mais poderosa há na nossa sociedade do que a de democracia? Que slogan mais usado?

Passemos a usar o da injustiça, mas não creiamos em mais gurus. Não só o mundo é duro, porque cais e dói, como a sociedade, o humano, é duro, porque cais e não te ampara. Resta saber como se amparariam essas quedas sem um estado. É preciso sempre um governo, nem que seja um governo local. A menos que se queira o caos geral, mas se lanças caos, espera que caia caos sobre ti. E o caos não é bom. A insegurança não é boa. Em caos, corre-se sempre risco de vida - cenário distópico. Talvez na distopia cada um deva defender-se a si mesmo. Ou talvez os grandes governos, estados, países, sejam uma evolução natural dos governos pequenos e locais. Com os seus grupos de cidadãos, cada um com uma certa função, ampliado a mil. E num mundo onde ninguém se conhece são necessárias estruturas. E as estruturas são impessoais. Pergunta-se o que seríamos num mundo com o mínimo de estruturas.

Animais de acção

Ninguém deveria querer legislar para ninguém. Mas vemos que isso se torna logo impossível quando vemos alguém a causar sofrimento a si mesmo ou a outrém. Pelo contrário, o ser humano tem que ser interventivo. As nossas características obrigam à acção e a escolhas. E as do mundo. O humano não pode ficar indiferente ao que o rodeia, não por escolher não ficar indiferente, mas porque não pode escolher ficar indiferente. Somos por natureza animais de acção.

Thursday, June 2, 2011

É também um mundo de sombras; nele vemos as sombras das luzes por entre a escuridão que nele existe, ou melhor, vemos as sombras da escuridão, e os restos ou todos de nós que existem no fundo dessa escuridão. Há nele lugares mais superficiais, mais à superfície, há o domínio da mais profunda escuridão, como no fundo do mais fundo mar, mas tem sempre que existir um farol. A vida tem algo de precioso, como todos sabemos, embora, dentro desta, o coração contenha as mais resplandecentes preciosidades, como a mais obscura treva.
O coração move o mundo porque cada um de nós se move pelo seu próprio coração. Expandindo-o e tentando preservar o que de mais sagrado há para si. Sendo isso o que de melhor há no mundo - guiarmo-nos pelo nosso próprio coração -, nunca deveria ser restringido. Mas o coração, porquanto é fofinho, não deixa também de ser um lugar escuro e labiríntico. Nele habitam essencialmente a luz e a escuridão. Tem o acender e o apagar de luzes, tem faróis e chamas inextinguíveis.
Tudo isso fica por baixo das vozes do universo, sob o domínio da verdade. A verdade está bem dentro dos nossos corações. O coração contém em si a mais importante verdade do mundo, a do que foi e a do que aconteceu, e a do que verdadeiramente se sente. E os outros ficam enterrados em lugares tão obscuros de nós, pairando nos nossos sonhos, mas sempre parte de nós, como que fantasmas que no fundo habitam. O coração é um lugar fundo, cheio de amor, desejo, desgosto, de não-dito e de vivência e memória de tudo. Contém as pedras mais preciosas que existem.
É tão grande o que fica por dizer nesta vida. Esse é o maior silêncio. O que fica por amar. Esse é um silêncio ainda maior.

Fluxo

O mundo tende para a materialização do espírito, e para a espiritualização da matéria, para a acção dos seres no mundo, e para a memória, onde há mentes com memória. O futuro tende a materializar-se, e de presente que é quando materializado, presente lembrado, já não material. O mundo tende ao mesmo tempo para o passado e para o futuro. Porque o presente não é se não a transformação do futuro em presente em passado, do futuro em passado, portanto, passando pelo presente. O mundo tende a transformar-se e transformar-se é isso, e o mundo é essa mistura. Mas talvez só o movimento elimine a verdade de estarmos parados no tempo. Sem a mudança, sem o movimento, o tempo seria imperceptível.

Não sabemos se a própria consciência estaria sequer apta a começar a pensar se existisse desde sempre num mundo ausente de estímulos. Teria a noção do tempo? E será que teria consciência de si? E se tivesse consciência de si e de nada mais, teria consciência do tempo? O tempo é básico na estrutura da consciência? O tempo é isto que passa. Será que quando estamos a olhar para uma árvore ao vento estamos a olhar para tempo? O tempo é um elemento básico na estrutura das coisas? A consciência e as coisas têm os mesmos elementos básicos? Poderá haver um elemento básico da estrutura da realidade - se esta a tem -, como se pudéssemos defender com verdade um monismo? Claro que a ideia da divisão é clássica de um mundo tripartido: a causa do mundo (diferente dele), e o mundo, dividido em corpo e espírito. Mas talvez haja apenas um fluxo, e a divisão seja de todo errada. Um único fluxo desde sempre e para sempre, eterno e infinito, mas um fluxo, do qual participamos.
A materialização, a transformação do espírito em matéria. ex. arte, indústria, engenharia... tudo o que envolve uma ideia que transforma o mundo. ex. um pedaço de pedras numa casa.

A espiritualização, a transformação da matéria em espírito. ex. memória.

O enlace de ambos, espírito e matéria

O mais importante que há é a interioridade. Sem interioridade ninguém é alguém. Temos de ter miolos. Mas isto é uma coisa tão vasta, porque ter miolos pode até siginificar ter espírito, ter emoção, não o espírito vácuo das religiões, mas o espírito repleto de fogos de artifício que não queimam se não a obscuridade em redor de um todo endiabrado e festivo. Portanto, a interioridade não é coisa parada e insípida, a menos que se findem os fogos de artíficio, que não deixam porém de ser artificiais. Conta o espírito orientado para a acção. Temos de nos rebelar contra alguma coisa, não podemos estar alheios a tudo. E talvez seja contra essa própria artificialidade que vive no espírito e o embasbaca, a favor de uma maior realidade e realização do espírito, porque queremos as coisas na realidade. Ninguém quer viver fechado no seu próprio espírito. Este, ou a pessoa, tende já para fora, para se realizar desta ou daquela maneira, realizando, concretizando, o seu espírito, através das acções que toma de acordo com aquele. Mas há pouca realização do espírito, estamos muito ocupados. A realização do espírito não pode ter gurus, porque é a total realização do espírito de cada um. Isso é a transformação do espírito em matéria. A matéria também se transforma em espírito na memória. E no presente há o enlace de ambos, espírito e matéria.

Serpenteando

Peles que despimos, peles que vestimos, encostados à parede da vida.

Trazer a ideia

Mas existirão um mundo só do corpo e um mundo só do espírito, ou a mente é que os divide, quando na verdade existe um só mundo, que é uma mistura de propriedades diferentes, como ser corpo ou ser espírito? E qual o interesse de um mundo só do espírito? Embora um mundo em que o espírito se realize na terra seja interessantíssimo. A concretização do espírito é provavelmente aquilo a que se chama realização. Trazer a ideia ao mundo.

Corpo e espírito

O ideal é também algo que vive por baixo das vozes do universo, nas travessas e cantos escuros na noite das ruas, até que se se realiza muda o mundo por completo. Há uma introspecção do mundo, uma compreensão, uma tomada de ponto de vista, e uma mudança vinda do silêncio ruidoso do interior humano, que afecta o mundo físico. Estamos muito dependentes do mesmo. E não podemos afirmar que somos essencialmente físicos, dado que somos também espírito. Nem podemos afirmar que o corpo sustenta o espírito nem vice-versa. Podemos afirmar que se influenciam mutuamente. Mas em ambos há leis que não podemos quebrar, como se tivesse já sido legislado para o corpo e para o espírito, como em se não comes morres, para o corpo, e não (se não comes morres e não morres), para o espírito. Há mundos impossíveis até na nossa imaginação. E um mundo como o nosso, connosco, está logo privado pelas leis do corpo. A possibilidade lógica é limitada pela possibilidade física. O espírito pode perder-se em deambulações que, num mundo como o nosso, é limitado pelo corpo, como se este tivesse mais poder.

Como é um mundo melhor?

Qual será a melhor forma de governo para o homem? Certamente que não queremos ser agredidos nem por polícia, nem por criminosos. O ideal seria a ausência de crime, caso em que não precisaríamos da polícia, e um cenário que se vislumbra imposssível... o problema da ausência de governo é que viveríamos no mais puro dos liberalismos, que podiam até resultar na escravidão... quer dizer, a ausência de estado pode levar a que se formem outros estados, talvez dado o instinto gregário, ou apenas a consciência de que juntos somos mais fortes, embora quantos menos melhor. Talvez seja essa a diferença entre o espírito do liberalismo e o do comunismo, porque enquanto o primeiro defende o quanto menos melhor, o outro defende o quanto mais melhor. O primeiro defende a maior ausência de participação na res publica, que nesse caso nem sequer existe, porque é tudo privado e todos são privados ora pela força, ora pela inteligência, ou por ambas, e o segundo defende a maior participação, mas tem estado na mesma, ou sindicatos, tem obrigações ante o outro, nomeadamente obrigações laborais. E esse não é o ideal. O ideal é a ausência de obrigação. A livre escolha implica poder escolher a ausência de obrigações ante os outros. O mais próximo do ideal é o mínimo de obrigações ante o outro. Mas um mundo bom é um mundo onde não há fome. Não existe um mundo bom; embora nos caiba melhorá-lo - mas como é um mundo melhor?

Wednesday, June 1, 2011

Um dia tudo ficará por baixo das vozes do universo. Mas o que há por baixo das vozes do universo se não vozes? O que será tudo senão voz que se apresenta desta ou determinada maneira, ora humano, ora rocha à beira mar, ou mera poeira? O que será cada coisa se não uma aparição de algo que não sabemos o que é, que desconhecemos? E ainda isso é uma voz.

Talvez só exista o mundo como o conhecemos, mas não carece de explicação? Talvez nunca consigamos lá chegar, talvez não seja tarefa nossa interrogarmo-nos tão profundamente, ou talvez a resposta esteja bem longe do que as que encontrámos até agora, que são todas, embora nenhuma satisfaça. Temos de postular alguma coisa inicial não-criada, que existisse desde todo o sempre, mas o curioso é que isso pode ser o próprio mundo, o universo. Não um ente particular como uma pessoa ou uma pedra, que nasce e morre, mas algo incontingente. Mas até o universo é um ente particular, com determinadas características que o essencializam, embora seja talvez irrepetível.

A estrutura do tempo obriga a essa irrepetibilidade. Ou talvez não. Pode dar-se o caso de o universo se destruir e reconstruir como assim crêem os hindus e, se imaginarmos o caso em que se reconstrói ao infinito, seria provável que um mundo igual ao nosso voltasse a existir, e o mesmo se diz para o passado. Mas da sua probabilidade não se segue a sua existência nem, portanto, que seja verdade que um mundo igual ao nosso já existiu ou existirá.

Tuesday, May 31, 2011

Talvez seja até como se nunca tivéssemos existido

O fluxo das coisas é para o passado e para a memória. Certamente que nos aguarda um futuro, e a todas as coisas um futuro, mas até esse mesmo futuro será um dia passado, não mais que uma voz por baixo das vozes do universo. Por isso podemos dizer do futuro, que terá um dia existido. Todas as coisas por aparecer, hão-de um dia ter desaparecido, provavelmente até o universo como o conhecemos. A ser isto verdade, está tudo em constante mutação e choque, e mais não somos, os particulares, do que partes que coexistem num todo. Essas partes caem no esquecimento, e o todo mais não é do que um grande colectivo de memória e de esquecimento. O mar não tem memória de nós. A pegada de cada um de nós terá um dia desaparecido do mundo, e as nossas marcas não mais existirão. Talvez seja até como se nunca tivéssemos existido.
Mas dentro da sabedoria, podemos obtê-la por fora ou por dentro. Lendo livros, observando o mundo ou meramente pensando. Por fora obtemos conhecimento de umas coisas e por dentro obtemos conhecimento de outras. Talvez o próprio estudo do universo possa ser feito por dentro. Por exemplo uma catalogação do tipo de coisas que existem. De graus de existência, espaços, lugares e não-lugares. A passagem da pessoa para lá da pessoa através de si. A expansão para dentro para alcançar algo diferente da pessoa, pelo universo por baixo das vozes.
Se me perguntassem se queria ser mais sábio ou viver o melhor possível, escolheria a segunda, mas viver o melhor possível implica alguma sapiência, porque ou se não a tem e se desconhece muito do que existe, e isso não é viver melhor, ou se morreria. A sabedoria é uma condição necessária para uma vida boa.

XIV

Mas quem não trocaria a sabedoria por uma vida boa? O que faz de nós a sabedoria? Sábios, loucos, poderosos, angustiados, maníacos, megalómanos? Eu não tenho sabedoria alguma, sou um desmemoriado, se não aquela que vou aprendendo ao longo da vida, retirada das experiências por que vou passando. Sob este prisma, o ser humano ou viver é quase uma experiência científica, em que o ser humano é ele próprio teoria, objecto de experimentação e cientista. Por tentativa e erro vamos passando as etapas da vida, voos e quedas, num universo que se apresenta tantas vezes estranho, como quando uma teoria falha e, olhando para o universo, estamos ante algo novo, desconhecido, que causa estranheza.

XIII

Por cima das vozes do universo há o mundo físico, como o conhecemos, depois há as vozes literais do universo, depois há o por baixo das vozes do universo, as mentes, e a mente é o caminho para tudo.

Por baixo das vozes do universo há mais vozes, pensamentos; não sabemos é se há algo para cima do mundo físico ou para baixo do pensamento, que são os dois movimento e ruído, e, por oposição, o outro mundo, supondo que é um só, que há um só, seria ausência de movimento e de ruído, imutabilidade e silêncio.

Mas a consciência, mesmo no imutável, ante este, permanece em movimento, em contínua absorção.
E por isso podemos supor que a última realidade é mesmo o movimento, embora possa existir um grande silêncio transversal aos dois mundos, a consciência é sempre em mutação, ou talvez isso seja uma ilusão criada pela constante mutação dos objectos da consciência.

E mesmo falando de um si, de um si mesmo, este pode não ser necessário, um parado, mesmo este pode ser em mutação, em constante ebulição, ligado, enquanto estamos vivos. Ou não, até pode haver uma personalidade, um si, algo que permanece imutável ao longo da vida, podendo responder à questão do que este é, apenas um sentir.

Mas nada disto interessa se nos lembrarmos de que: há para nós silêncio se a consciência está em silêncio. E se a mente estiver completamente silenciosa, esse silêncio é universal. Embora até isto seja uma ilusão, porque esse silêncio não é de facto universal. Há mais mentes, que podem estar em estados diferentes, e carros a passar, e por isso esse silêncio é no necessário individual e para quem possa estar no estado de ser apenas a sua mente.

XII

Por baixo das vozes do universo, há todo um mundo, há mundos por descobrir, perdidos, dispersos, que se encontram nas veredas das suas solidões, para que se fundam, descubram, e ecoem ainda mais alto os rumores do ser por debaixo das infindas roupagens que se quedam adormecidas.

Sunday, May 29, 2011

Tejo

Desci aos infernos, estive nas planícies e tive sempre o Tejo no meu olhar. Tenho sempre o Tejo no meu olhar. Para lá do silêncio, agita-se ante éons de tempo, a cidade nele adormece. Embala-nos, ao passarmos o desgastado e sempre novo Cais do Sodré, Belém, ou se apenas o virmos de S. Pedro de Alcântara. O Tejo contém em si a alma dos lisboetas, nosso doce e no passado tão intempestivo rio, no qual não podemos mergulhar, como se de miragem se tratasse. A Tágide, que dele sai, mais não é do que o próprio Tejo em si, que não é rio, mas alma. Enquanto o corpo se limpa e revigora no mar, a alma limpa-se e sai renovada do Tejo. É a nossa mística.

XI

Cada gesto que não vês, está por baixo das vozes do universo. Todo o mundo, excepto o diálogo, está por baixo das vozes do universo. Não para lá do sentido, já que fazemos sentido nas nossas mentes, isto é, dialoga-mo-nos, compreendemos, mas para lá do físico. Ora, como pode estar o mundo para lá do físico? Porque o universo só ganha voz quando é consciencializado. Até lá é algo que permanece naquilo a que alguns chamam de akasha, que é uma espécie de mente universal, é aquilo que não é percepcionado, percebido, apreendido, por todos os seres conscientes, mas apenas por alguns. Se eu permanecer em silêncio, num local onde nem eu me vejo, estou para lá das vozes do universo. É como se não existisse e, do mesmo modo, há todo um mundo que para nós, vulgarmente, é como se não existisse, mas que existe. Porque muito nos habituámos a ver para fora, desabituámo-nos a olhar para dentro. E dentro não implica apenas para dentro de nós, mas mesmo para os outros em nós, como se todas as vozes do universo em mim ecoassem.

X

É sempre através da mente que acedemos ao que está fora da mente (estará algo?), há várias formas de se obter conhecimento, e objectos do conhecimento que se dão a umas formas mas não a outras. Quer quando vemos ou ouvimos algo, como quando imaginamos um espaço e tempo infindos, usamos a mente. Porém, para conhecermos um objecto exterior, como um copo, temos de perscrutá-lo com o olhar, tocá-lo, talvez medi-lo, no entanto, para conhecermos algo que é interior ou cujo caminho é a interioridade, temos apenas de pensar e quiçá de ir para lá do pensamento, tal como quando vimos o copo, tendo ido assim para lá de nós. Resta-nos também saber se queremos saber alguma coisa, ou se queremos ter uma experiência, por exemplo, a sensação do espaço e tempo infindos. Se queremos saber o que é o espaço-tempo, podemos estudar física, pensar sobre o movimento, analisar. Mas se queremos apenas ter a experiência da infinitude, o caminho é outro. É que por baixo das vozes do universo há um mundo infindo, que nestas começa.

IX

Por baixo das vozes do universo é um domínio não-físico, para lá das aparências, estas apenas no sentido em que são aquilo que vemos ou tocamos. Um domínio que começa onde o nosso pensamento acaba. Ainda tem pensamento, tem muita matéria mental: tem desejos, expectativas, imaginações, solilóquios. E quão ruidoso é esse mundo!, mas tem também um silêncio que está para lá de todas as coisas e que às mesmas subjaz. Pode ser sentido por qualquer pessoa, imaginado como espaço fundo, como imensidão, como paz. Há algo de intocável no mundo.

VIII

Por mais que falemos ou escrevamos será sempre difícil se não impossível, abarcar o todo racionalmente com palavras, com frases bem formadas. Pois se sabemos que há alguns entes por baixo das vozes do universo, como o silêncio ou o não-dito, sabemos que há também outros, como o lado inverso das palavras, no sentido daquilo que se sente em dado momento mas que não é dito. Mas isto não é o não-dito, embora pertença a esse domínio. Então perguntamos: mas que entes há por baixo das vozes do universo?, e o que é o por baixo das vozes do universo?

Saturday, May 28, 2011

VII

Somos ecos do que há para lá do nosso pensamento, no sentido físico e no sentido espiritual.

VI

E uma é eco da outra, numa a estabilidade, na outra o movimento.

V

Por baixo das vozes do universo existem também os problemas reais de pessoas reais, circulando nos meandros do seu pensamento, representando-se aí também no mundo do não verbal, até do imagético. Existem sofrimento e alegria guardados nos "palácios da memória". No passado, mas também no presente. Acima de tudo existem sentimentos que têm de ser protegidos, pessoas que têm de ser acarinhadas, amadas. Há um sagrado, em cada pessoa e dessa pessoa, que tem de ser guardado, preservado, protegido. É o mais valioso.

IV

Por baixo das vozes do universo não existe o canto dos mortos, senão no passado e no futuro daqueles que estão por nascer, mas apenas o canto dos vivos. O canto que os vivos, os sencientes, cantam no pensamento. Já muitos perguntaram se tudo isso se reúne numa alma universal. Talvez essa alma universal esteja no mundo da intersubjectividade, físico, do dito, do que no outro. Mas também é verdade que o cruzamento de dois olhares pode contemplar em si todo o mistério que está para lá deles.

III

Por baixo das vozes do universo, existe não só a dor, a perda, o que não foi nem será, mas também e eminentemente o reflexo do mundo físico. Do mesmo modo, no mundo físico existe eminentemente o reflexo do mundo do não-dito. Ambos chocam, entrecruzam-se e constituem este mundo em que vivemos. Mas de onde se originam, ou se um do outro, não sabemos.

II

O que poderia ter sido dito e nunca o foi, o que poderia ter sido vivido e nunca o foi nem será, há, por baixo das vozes do universo, todo um mundo de ausência. Um mundo de ausência interior, da falta do que poderia ter sido. Esse mundo torna-se por vezes mais preponderante do que o mundo real, físico, por estar mais eminente nas nossas mentes. Um mundo não físico onde mentes se cruzam e descruzam, se interpelam ou... estaremos encerrados, no mundo do não dito, nas nossas mentes?

I

Há o que permanece para sempre enterrado nos nossos corações.