Tuesday, May 31, 2011

Talvez seja até como se nunca tivéssemos existido

O fluxo das coisas é para o passado e para a memória. Certamente que nos aguarda um futuro, e a todas as coisas um futuro, mas até esse mesmo futuro será um dia passado, não mais que uma voz por baixo das vozes do universo. Por isso podemos dizer do futuro, que terá um dia existido. Todas as coisas por aparecer, hão-de um dia ter desaparecido, provavelmente até o universo como o conhecemos. A ser isto verdade, está tudo em constante mutação e choque, e mais não somos, os particulares, do que partes que coexistem num todo. Essas partes caem no esquecimento, e o todo mais não é do que um grande colectivo de memória e de esquecimento. O mar não tem memória de nós. A pegada de cada um de nós terá um dia desaparecido do mundo, e as nossas marcas não mais existirão. Talvez seja até como se nunca tivéssemos existido.
Mas dentro da sabedoria, podemos obtê-la por fora ou por dentro. Lendo livros, observando o mundo ou meramente pensando. Por fora obtemos conhecimento de umas coisas e por dentro obtemos conhecimento de outras. Talvez o próprio estudo do universo possa ser feito por dentro. Por exemplo uma catalogação do tipo de coisas que existem. De graus de existência, espaços, lugares e não-lugares. A passagem da pessoa para lá da pessoa através de si. A expansão para dentro para alcançar algo diferente da pessoa, pelo universo por baixo das vozes.
Se me perguntassem se queria ser mais sábio ou viver o melhor possível, escolheria a segunda, mas viver o melhor possível implica alguma sapiência, porque ou se não a tem e se desconhece muito do que existe, e isso não é viver melhor, ou se morreria. A sabedoria é uma condição necessária para uma vida boa.

XIV

Mas quem não trocaria a sabedoria por uma vida boa? O que faz de nós a sabedoria? Sábios, loucos, poderosos, angustiados, maníacos, megalómanos? Eu não tenho sabedoria alguma, sou um desmemoriado, se não aquela que vou aprendendo ao longo da vida, retirada das experiências por que vou passando. Sob este prisma, o ser humano ou viver é quase uma experiência científica, em que o ser humano é ele próprio teoria, objecto de experimentação e cientista. Por tentativa e erro vamos passando as etapas da vida, voos e quedas, num universo que se apresenta tantas vezes estranho, como quando uma teoria falha e, olhando para o universo, estamos ante algo novo, desconhecido, que causa estranheza.

XIII

Por cima das vozes do universo há o mundo físico, como o conhecemos, depois há as vozes literais do universo, depois há o por baixo das vozes do universo, as mentes, e a mente é o caminho para tudo.

Por baixo das vozes do universo há mais vozes, pensamentos; não sabemos é se há algo para cima do mundo físico ou para baixo do pensamento, que são os dois movimento e ruído, e, por oposição, o outro mundo, supondo que é um só, que há um só, seria ausência de movimento e de ruído, imutabilidade e silêncio.

Mas a consciência, mesmo no imutável, ante este, permanece em movimento, em contínua absorção.
E por isso podemos supor que a última realidade é mesmo o movimento, embora possa existir um grande silêncio transversal aos dois mundos, a consciência é sempre em mutação, ou talvez isso seja uma ilusão criada pela constante mutação dos objectos da consciência.

E mesmo falando de um si, de um si mesmo, este pode não ser necessário, um parado, mesmo este pode ser em mutação, em constante ebulição, ligado, enquanto estamos vivos. Ou não, até pode haver uma personalidade, um si, algo que permanece imutável ao longo da vida, podendo responder à questão do que este é, apenas um sentir.

Mas nada disto interessa se nos lembrarmos de que: há para nós silêncio se a consciência está em silêncio. E se a mente estiver completamente silenciosa, esse silêncio é universal. Embora até isto seja uma ilusão, porque esse silêncio não é de facto universal. Há mais mentes, que podem estar em estados diferentes, e carros a passar, e por isso esse silêncio é no necessário individual e para quem possa estar no estado de ser apenas a sua mente.

XII

Por baixo das vozes do universo, há todo um mundo, há mundos por descobrir, perdidos, dispersos, que se encontram nas veredas das suas solidões, para que se fundam, descubram, e ecoem ainda mais alto os rumores do ser por debaixo das infindas roupagens que se quedam adormecidas.

Sunday, May 29, 2011

Tejo

Desci aos infernos, estive nas planícies e tive sempre o Tejo no meu olhar. Tenho sempre o Tejo no meu olhar. Para lá do silêncio, agita-se ante éons de tempo, a cidade nele adormece. Embala-nos, ao passarmos o desgastado e sempre novo Cais do Sodré, Belém, ou se apenas o virmos de S. Pedro de Alcântara. O Tejo contém em si a alma dos lisboetas, nosso doce e no passado tão intempestivo rio, no qual não podemos mergulhar, como se de miragem se tratasse. A Tágide, que dele sai, mais não é do que o próprio Tejo em si, que não é rio, mas alma. Enquanto o corpo se limpa e revigora no mar, a alma limpa-se e sai renovada do Tejo. É a nossa mística.

XI

Cada gesto que não vês, está por baixo das vozes do universo. Todo o mundo, excepto o diálogo, está por baixo das vozes do universo. Não para lá do sentido, já que fazemos sentido nas nossas mentes, isto é, dialoga-mo-nos, compreendemos, mas para lá do físico. Ora, como pode estar o mundo para lá do físico? Porque o universo só ganha voz quando é consciencializado. Até lá é algo que permanece naquilo a que alguns chamam de akasha, que é uma espécie de mente universal, é aquilo que não é percepcionado, percebido, apreendido, por todos os seres conscientes, mas apenas por alguns. Se eu permanecer em silêncio, num local onde nem eu me vejo, estou para lá das vozes do universo. É como se não existisse e, do mesmo modo, há todo um mundo que para nós, vulgarmente, é como se não existisse, mas que existe. Porque muito nos habituámos a ver para fora, desabituámo-nos a olhar para dentro. E dentro não implica apenas para dentro de nós, mas mesmo para os outros em nós, como se todas as vozes do universo em mim ecoassem.

X

É sempre através da mente que acedemos ao que está fora da mente (estará algo?), há várias formas de se obter conhecimento, e objectos do conhecimento que se dão a umas formas mas não a outras. Quer quando vemos ou ouvimos algo, como quando imaginamos um espaço e tempo infindos, usamos a mente. Porém, para conhecermos um objecto exterior, como um copo, temos de perscrutá-lo com o olhar, tocá-lo, talvez medi-lo, no entanto, para conhecermos algo que é interior ou cujo caminho é a interioridade, temos apenas de pensar e quiçá de ir para lá do pensamento, tal como quando vimos o copo, tendo ido assim para lá de nós. Resta-nos também saber se queremos saber alguma coisa, ou se queremos ter uma experiência, por exemplo, a sensação do espaço e tempo infindos. Se queremos saber o que é o espaço-tempo, podemos estudar física, pensar sobre o movimento, analisar. Mas se queremos apenas ter a experiência da infinitude, o caminho é outro. É que por baixo das vozes do universo há um mundo infindo, que nestas começa.

IX

Por baixo das vozes do universo é um domínio não-físico, para lá das aparências, estas apenas no sentido em que são aquilo que vemos ou tocamos. Um domínio que começa onde o nosso pensamento acaba. Ainda tem pensamento, tem muita matéria mental: tem desejos, expectativas, imaginações, solilóquios. E quão ruidoso é esse mundo!, mas tem também um silêncio que está para lá de todas as coisas e que às mesmas subjaz. Pode ser sentido por qualquer pessoa, imaginado como espaço fundo, como imensidão, como paz. Há algo de intocável no mundo.

VIII

Por mais que falemos ou escrevamos será sempre difícil se não impossível, abarcar o todo racionalmente com palavras, com frases bem formadas. Pois se sabemos que há alguns entes por baixo das vozes do universo, como o silêncio ou o não-dito, sabemos que há também outros, como o lado inverso das palavras, no sentido daquilo que se sente em dado momento mas que não é dito. Mas isto não é o não-dito, embora pertença a esse domínio. Então perguntamos: mas que entes há por baixo das vozes do universo?, e o que é o por baixo das vozes do universo?

Saturday, May 28, 2011

VII

Somos ecos do que há para lá do nosso pensamento, no sentido físico e no sentido espiritual.

VI

E uma é eco da outra, numa a estabilidade, na outra o movimento.

V

Por baixo das vozes do universo existem também os problemas reais de pessoas reais, circulando nos meandros do seu pensamento, representando-se aí também no mundo do não verbal, até do imagético. Existem sofrimento e alegria guardados nos "palácios da memória". No passado, mas também no presente. Acima de tudo existem sentimentos que têm de ser protegidos, pessoas que têm de ser acarinhadas, amadas. Há um sagrado, em cada pessoa e dessa pessoa, que tem de ser guardado, preservado, protegido. É o mais valioso.

IV

Por baixo das vozes do universo não existe o canto dos mortos, senão no passado e no futuro daqueles que estão por nascer, mas apenas o canto dos vivos. O canto que os vivos, os sencientes, cantam no pensamento. Já muitos perguntaram se tudo isso se reúne numa alma universal. Talvez essa alma universal esteja no mundo da intersubjectividade, físico, do dito, do que no outro. Mas também é verdade que o cruzamento de dois olhares pode contemplar em si todo o mistério que está para lá deles.

III

Por baixo das vozes do universo, existe não só a dor, a perda, o que não foi nem será, mas também e eminentemente o reflexo do mundo físico. Do mesmo modo, no mundo físico existe eminentemente o reflexo do mundo do não-dito. Ambos chocam, entrecruzam-se e constituem este mundo em que vivemos. Mas de onde se originam, ou se um do outro, não sabemos.

II

O que poderia ter sido dito e nunca o foi, o que poderia ter sido vivido e nunca o foi nem será, há, por baixo das vozes do universo, todo um mundo de ausência. Um mundo de ausência interior, da falta do que poderia ter sido. Esse mundo torna-se por vezes mais preponderante do que o mundo real, físico, por estar mais eminente nas nossas mentes. Um mundo não físico onde mentes se cruzam e descruzam, se interpelam ou... estaremos encerrados, no mundo do não dito, nas nossas mentes?

I

Há o que permanece para sempre enterrado nos nossos corações.